O leite é composto de água (84% a 90%), gordura (2,5% a 6%), proteína (2,8% a 4,5%), lactose (3,5% a 6%) e minerais (< 1%), sendo que a concentração destes constituintes varia entre animais e raças.

 

Pesquisas indicam que mais de 60% das variações na composição do leite são influenciadas por fatores genéticos. Outros fatores que afetam a composição do leite são os ambientais, relacionados ao estágio de lactação, persistência na lactação, ordem de lactação, prática de ordenha e clima, além do manejo da alimentação, nutrição e incidência de doenças.

 

Genética – Existem diferenças óbvias na composição do leite entre várias raças de gado leiteiro. O constituinte mais variável é o teor de gordura do leite, ao passo que lactose e minerais apresentam menos variações. Tem-se observado que as diferenças entre indivíduos dentro de uma mesma raça são frequentemente maiores que as diferenças observadas entre raças distintas.

 

Estágio de lactação – O leite contém, em média, 87,4% de água e os maiores constituintes sólidos são gordura, proteína e lactose, com menores níveis de minerais e vitaminas.

 

 

Figura 1 – Influência do estágio de lactação de vacas leiteiras sobre os componentes sólidos do leite.

 

Os níveis de gordura, proteína e lactose caem durante os três primeiros meses. Em seguida, os níveis de gordura e proteína começam a aumentar, embora a lactose continue a cair. Isso é mantido até o final da lactação, se a vaca não estiver gestante. Se houver lactação e gestação concorrentes, os níveis de lactose aumentam nas últimas semanas de lactação e há aceleração do aumento dos níveis de gordura e proteína (Figura 1).

 

Após o parto, é secretado colostro, presente durante3 a5 dias, o qual possui elevado teor de sólidos totais, especialmente da fração globulina (uma proteína).

 

Ordem de lactação – Vacas de primeira cria têm teores de gordura, proteína e lactose mais elevados que vacas que tiveram mais de uma cria. Contudo, na segunda e terceira lactações, os teores desses sólidos do leite são mais baixos, elevando-se a partir da quarta lactação (Figura 2).

Figura 2 – Influência da ordem de lactação, nos componentes sólidos do leite.

 

Práticas de ordenha – O conteúdo de gordura é mais elevado quando as vacas são ordenhadas mais frequentemente.

 

O leite que é removido primeiro contém muito menos gordura (sendo o teor até 2% mais baixo) que o leite removido no final da ordenha (até 7-9% mais alto). O motivo dessa distribuição dos glóbulos de gordura não é completamente conhecido. Postula-se que os glóbulos de gordura se agregam nos alvéolos e são retardados na sua passagem em direção ao teto, ao passo que a porção fluida passa ao redor dos glóbulos de gordura mais prontamente, em direção à base do úbere e do teto. Portanto, o leite dos maiores dutos da glândula possui menos gordura que o leite dos alvéolos.

A gordura varia inversamente com os intervalos, daí ser mais vantajoso praticar duas ou mais ordenhas. Isso significa que o leite da tarde é mais gorduroso que o leite da manhã. Nos intervalos inferiores a 12 horas, a quantidade de leite é menor e a porcentagem de gordura é maior que os níveis normais. Quando os intervalos são maiores que 12 horas, a quantidade de leite é maior e a porcentagem de gordura é menor que o normal.

 

Ambiente – Nas zonas temperadas, nota-se considerável variação do teor de gordura do leite, nas diferentes estações do ano. Tem-se observado que essas variações estão ligadas às variações de temperatura.

 

O calor pode provocar diminuição do conteúdo de gordura do leite, enquanto o frio implica aumento do nível de gordura do leite. A variação parece mais acentuada nas raças que produzem leite com alto teor de gordura.

 

O aumento da temperatura ambiente eleva a taxa respiratória, que é o mecanismo primário por meio do qual os animais dissipam calor. O calor produzido por animais em lactação é cerca do dobro daquele de animais não lactantes. A produção de leite e o consumo de alimento são reduzidos automaticamente, num esforço do organismo para reduzir a produção de calor no corpo, quando a temperatura ambiente está elevada. De fato, a diminuição do apetite é a principal causa de redução da produção de leite.

 

Doenças – a mastite reduz a produção de leite, bem como seus níveis de gordura e lactose. Entretanto, não há modificação do conteúdo de proteína. As mudanças ocorrem muito rapidamente após a infecção do úbere.

 

Fatores nutricionais que alteram a composição do leite

 

Gordura

 

A gordura é o componente do leite sujeito à maior oscilação, variando entre 2 e 3 unidades percentuais. Embora os fatores genéticos tenham influência sobre os níveis de gordura do leite, as principais causas dessas alterações são de origem nutricional. Os principais fatores nutricionais que podem alterar os níveis de gordura do leite são a relação volumoso:concentrado, a fibra efetiva, o tipo de concentrado e o seu processamento, a inclusão de gordura na dieta, os aditivos ou, ainda, os ácidos graxos trans.

 

Relação volumoso:concentrado – O aumento do concentrado na dieta de vacas leiteiras reduz o teor de gordura do leite em função da diminuição da relação acetato:propionato. Para se entender melhor o que isso significa, faz-se necessário saber que a alimentação com maior proporção de forrageiras produz maior concentração de ácido acético (acetato) no rúmen, contrariamente à alimentação com dietas com alto concentrado, que produzem maior quantidade de propionato. Dessa forma, considerando-se uma dieta com 75% de volumoso e 25% de concentrado, a relação volumoso:concentrado será de 3:1, ou relação de acetato e propionato próxima a 3:1. Contudo, se a dieta tiver 50% de volumoso e 50% de concentrado, a relação será menor, ou seja 1:1, e, de forma semelhante ocorre com a produção acetato:propionato.

 

A diminuição da proporção acetato:propionato, com maior quantidade de concentrado na dieta, explica-se pela produção de ácidos graxos voláteis que reduzem o pH do rúmen para menos de 6,0, acarretando menor degradação da porção fibrosa (forragem) da dieta. Menor digestão de fibra reduz a produção de ácido acético, e maior digestão de concentrados aumenta a produção de ácido propiônico. Como o ácido acético é um dos principais precursores da gordura do leite, a sua redução está diretamente relacionada com a diminuição do teor de gordura do leite.

 

Fibra efetiva – A fibra fisicamente efetiva (conceitualmente tida como fibra em detergente neutro fisicamente efetiva – FDNpe) de um alimento correspondente às propriedades do alimento que estimulam a mastigação, principalmente tamanho de partículas. Sendo assim, quanto maior o tamanho da partícula do alimento, maior estímulo à mastigação, e, consequentemente, maior estímulo à produção de saliva, a qual contém substâncias (tamponantes) capazes de evitar redução do pH ruminal. Para compreender melhor, saiba que, quando o produtor regula a máquina responsável pelo corte da forrageira para cortar em partículas menores, menos efetiva será a fibra; ao contrário, quando essa máquina é regulada para cortar a planta em partículas maiores, ao consumir o alimento ocorrerá maior estímulo à mastigação, e, consequentemente, haverá maior produção de saliva, maior tamponamento do rúmen e evitar-se-á a queda do pH ruminal.

 

A FDN efetiva (FDNe) inclui todos os efeitos associados à FDNpe, além das características do alimento associadas ao tamponamento do rúmen. A FDNe é um atributo do animal, que visa melhorar as condições dos microrganismos do rúmen, mantendo o pH estável e, consequentemente, os teores de gordura do leite. A fibra efetiva é responsável pela manutenção do pH ruminal acima de 6,2, por meio do estímulo à ruminação, que se consegue aumentando tamanho de partículas, aumentando a mastigação, que provoca aumento da produção de saliva e da liberação de tamponantes. Como efeito direto do pH, ocorre maior digestão da fibra em favor das bactérias celulolíticas do rúmen, que serão responsáveis pela produção de ácido acético.

 

Tipo de concentrado e seu processamento – Os concentrados, como farelo de glúten de milho, polpa cítrica, casca de soja e farelo de trigo contêm carboidratos de alta digestibilidade, porém não reduzem o pH em função do tipo de fermentação que geram. Consequentemente, não diminuem o teor de gordura do leite. Os concentrados que possuem alto teor de amido (milho, sorgo e cevada) promovem redução do pH ruminal, prejudicando o desenvolvimento das bactérias celulolíticas do rúmen (aquelas que degradam celulose, um dos carboidratos fibrosos presentes nas forrageiras) e reduzindo a digestão da fibra contida nas forragens, o que promove diminuição do teor de gordura do leite.

 

A moagem muito fina de grãos aumenta a fermentação desses alimentos no rúmen, aumenta a digestão, faz com que haja redução do pH ruminal e, com isso, redução do teor de gordura do leite.

 

Inclusão de gordura na dieta – Com o objetivo de aumentar a densidade energética de dietas, principalmente de vacas de alta produção, é prática bastante comum incluir gorduras em níveis de5 a 7% na matéria seca da dieta. Isso aumenta a produção total de leite, mas gera resultados negativos no teor de gordura do leite.

 

Gorduras protegidas, sob a forma de sabões de cálcio ou tratadas com formaldeído, são inertes no rúmen, passando de forma intacta por esse local, e geram menor efeito depressor nos níveis de gordura do leite. Grãos de oleaginosas, como caroço de algodão, oferecidos dentro dos limites de uso, também não reduzem os níveis de gordura do leite, pois não afetam a fermentação ruminal por ser lenta a sua degradação e, portanto, a liberação do óleo no ambiente ruminal, permitindo seu processamento pelos microrganismos ruminais.

 

Aditivos – Os tipos mais comuns utilizados, visando à melhoria do desempenho produtivo de ruminantes, que afetam os teores de gordura do leite são os tamponantes e os ionóforos ou modificadores ruminais.

 

Os tamponantes, como o bicarbonato de sódio, minimizam quedas de pH ruminal, evitando acidose, quando dietas com alta proporção de concentrados rapidamente fermentáveis são fornecidas aos animais, mantendo ativas as bactérias que digerem a fibra. Assim, o nível de ácido acético produzido no rúmen não é reduzido e a porcentagem de gordura do leite não diminui.

 

Os modificadores ruminais, que englobam a monensina sódica (Rumensinâ) e a lasalocida (Taurotecâ), diminuem os teores de gordura do leite. A sua ação, por meio da seleção de bactérias ruminais que melhor convertem os alimentos em nutrientes, reduzindo a formação de metano e gás carbônico no rúmen, acarreta aumento da produção de ácido propiônico e redução de ácido acético. Dessa forma, existe aumento na produção de leite, porém, com menor teor de gordura.

 

Proteína

 

A proteína é um dos componentes do leite que também pode sofrer alteração pela via nutricional. Contudo, a amplitude dessa variação é bem menor que a do teor de gordura, oscilando não mais que0,3 a0,4 unidade percentual.

 

O interesse da indústria pela manipulação da proteína do leite é recente, assim como sua influência nutricional, comparado a estudos sobre teor de gordura. Desse modo, os fatores básicos que afetam a síntese de proteína do leite também não são tão conhecidos como os relativos à síntese de gordura.

 

Apesar dessas dificuldades, nos últimos anos, intensificam-se estudos relacionados aos fatores nutricionais que interferem no teor de proteína do leite. Dentre estes, destacam-se: aumento de proteína na dieta, aminoácidos limitantes, energia da dieta, suplementação com gordura.

 

Aumento de proteína na dieta – A disponibilidade de aminoácidos para síntese de proteína pela glândula mamária é determinada pela absorção intestinal destes aminoácidos. Quanto mais aminoácidos forem absorvidos, mais substrato haverá para síntese de caseína (proteína encontrada em maior quantidade no leite) e proteínas do soro do leite (PEREIRA, 2001). Moléculas protéicas nada mais são do que uma sequência predeterminada de aminoácidos. Assim, se faltar um dos aminoácidos da cadeia, a síntese da proteína não se completará. Os aminoácidos que chegam ao duodeno para absorção têm origem na proteína da dieta que passa intacta pela fermentação ruminal (chamada de proteína não degradável no rúmen ou proteína sobrepassante), na proteína microbiana produzida no rúmen e na pequena quantidade de proteína de origem endógena.

 

O teor de proteína do leite depende do perfil de aminoácidos absorvidos no intestino delgado do animal. A proteína microbiana constitui a fonte de maior valor biológico disponível ao ruminante, sendo que 50% ou mais da proteína disponível para absorção (proteína metabolizável) são compostos pela proteína microbiana. O ponto-chave para maximizar a síntese de proteína do leite é obtido com a maximização da produção dessa proteína, a qual compõe 50% ou mais da proteína metabolizável.

 

Depreende-se que o importante para aumentar o teor de proteína do leite não é a quantidade adicionada à dieta,mas a qualidade dessa proteína, mantendo-se estável ou aumentando a proteína degradada no rúmen e, consequentemente, a produção de proteína microbiana.

 

Aminoácidos limitantes – Quanto ao perfil de aminoácidos, os mais limitantes à síntese de proteínas do leite são a lisina e a metionina. Os trabalhos clássicos existentes na literatura, citados por Schwab (1992) e Rulquin et al. (1993), apresentaram valores ótimos de fluxo desses aminoácidos como 15% e 5%, respectivamente, ou seja, 3:1 entre eles.

 

Essa relação, em torno de 3:1, entre lisina e metionina é ideal, em termos de síntese de proteína do leite, mas não é fácil de ser obtida com fontes convencionais, pois a maioria dos alimentos disponíveis para alimentação de bovinos, no Brasil, tem deficiência de um dos dois aminoácidos. Para que essa relação seja atingida, é necessária a utilização de fontes protegidas desses aminoácidos. De qualquer forma, o manejo nutricional deve sempre ter essa relação como referência para maximizar a síntese de proteína do leite.

 

Energia da dieta – Dentre os fatores dietéticos que influem na síntese de proteína do leite, a energia certamente é o mais importante. De maneira geral, aumentos no teor de energia da dieta resultam em maior síntese e maior concentração de proteína no leite. Porém, nem todas as fontes de energia são capazes de aumentar a síntese de proteína, como a gordura, por exemplo, cujo fornecimento, geralmente, causa redução da proteína do leite (Wu e Huber, 1994).

 

A forma mais comum de modificar o teor de energia das dietas de vacas leiteiras é por meio da alteração na relação volumoso:concentrado, ou seja, aumentando a quantidade de concentrado na dieta, ou por meio da utilização de forragens de maior digestibilidade.

 

A relação entre a energia e o teor de proteína do leite pode ser explicada, em parte, pelo maior aporte de aminoácidos no intestino delgado, como consequência de aumento da produção de proteína microbiana, estimulada pela maior concentração energética da ração. A maior produção de proteína microbiana ocorre porque os alimentos energéticos levam esqueletos de carbono para o rúmen. Esses esqueletos de carbono juntam-se à amônia liberada pela degradação da proteína no rúmen, ou do nitrogênio não-protéico, fornecidos em forma de uréia, formando a proteína microbiana, que, no intestino delgado, será absorvida na forma de aminoácidos, servindo de precursora para a produção de proteína do leite na glândula mamária.

 

Suplementação de lipídios (gordura) – A utilização de suplementos lipídicos pode aumentar a produção de leite, mas causa redução do teor de proteína. Essa redução da proteína do leite é em função do efeito de diluição, por causa do aumento da produção total de leite, mas a principal razão estaria ligada à menor disponibilidade de aminoácidos para a glândula mamária.

 

Com o fornecimento suplementar de lipídios, a síntese de ácidos graxos na glândula mamária diminui, em função da incorporação direta de ácidos graxos da dieta no leite. Isso leva à menor necessidade de acetato e ao aumento da disponibilidade de glicose para síntese de lactose, o que está intimamente relacionado ao aumento da produção de leite, ou eficiência de produção, resultando em menor fluxo sanguíneo para a glândula mamária. Animais que produzem leite com maior eficiência precisam de menor quantidade de sangue por kg de leite produzido. Esse menor fluxo de sangue reduz a disponibilidade de aminoácidos para a glândula mamária, o que leva à menor síntese de proteína do leite. A lactose praticamente não é alterada pela nutrição.

 

 

Fatores estéticos

 

Apesar de o leite ser um alimento nutritivo, a aceitação do produto pelos consumidores demanda boa aparência, sabor e cheiro agradável. A alteração do sabor e odor do leite é causada por contaminação bacteriana, ou inclusão de determinados alimentos na dieta do animal.

 

Contaminação por bactérias – O leite é um meio ideal para o crescimento de bactérias e outros microrganismos, dado o grande conteúdo de água e de sólidos totais. Enquanto não é refrigerado, o processo de deterioração é incontrolável, podendo chegar a um estágio em que esse não poderá mais ser consumido ou usado para fabricação de seus derivados. Essa deterioração é proveniente da acidificação por bactérias láticas produtoras de ácido lático.

 

O leite da glândula mamária não infectada é sem contaminação, a qual ocorre no ambiente externo, geralmente na ocasião da ordenha, seja manual ou mecânica. As bactérias que entram em contato com o leite nem sempre são patogênicas (que causam doenças); contudo, a maioria significativa é potencialmente proteolítica (degrada proteína) e, ou lipolítica (degrada gordura).

 

A degradação proteolítica resulta em desenvolvimento de putrefação, cheiro de fruta, fermentação, escurecimento, gosto amargo e, em casos extremos, floculação ou gelatinização do leite. Além disso, a proteólise do leite causa diversos efeitos negativos nos produtos derivados, como, por exemplo, queijos pegajosos. O sabor desagradável e o ranço, encontrados no leite, associam-se à degradação da gordura do leite e à liberação de ácidos graxos voláteis (lipólise). Esses problemas de contaminação por bactérias poderão ser minimizados com boa higienização do maquinário de ordenha e, no caso de ordenha manual, máxima higienização.

 

Data de Publicação: 17/04/2015
Autor: Publicado no livro Manejo para melhor qualidade do leite. Editora Aprenda Fácil