Escherichia coli é o principal coliforme causador de mastite clínica em rebanhos leiteiros. Este micro-organismo é considerado um patógeno ambiental e pode causar mastite clínica com sintomas agudos. A sintomatologia clínica da mastite causada por E. coli pode variar de leve, com apenas sintomas inflamatórios na glândula mamária, até a forma super-aguda, com sintomas sistêmicos que incluem estase ruminal, desidratação, choque, e até mesmo, a morte da vaca. Além disso, infecções intramamárias persistentes causadas por E. coli podem ocorrer.

O tratamento com o uso de antimicrobianos ou a secagem do quarto mamário afetado, na maioria das vezes, elimina a infecção, porém, o completo restabelecimento da glândula mamária pode levar mais tempo do que a melhora clínica da vaca acometida. No momento da infecção, cepas genotipicamente similares de E.coli podem ser isoladas tanto do leite quanto do sangue, o que sugere que os fatores de virulência associados com a septicemia podem afetar a vaca por períodos superiores à fase clínica. Além disso, o impacto econômico da mastite causada por E. coli inclui efeitos pós-infecção que irão culminar na perda de produção e redução da qualidade do leite por períodos prolongados.
Um grupo de pesquisadores de Israel estudou os efeitos de longo prazo de infecções intramamárias causadas por E. coli associadas com diversas apresentações clínicas sobre a produção e a qualidade do leite, em especial, sobre os parâmetros de coagulação do leite. Primeiramente, amostras de leite dos quartos mamários afetados com mastite clínica foram submetidas à cultura microbiológica para identificação dos patógenos causadores da infecção intramamária. Vacas diagnosticadas com E. coli, tiveram mensurações diárias da produção, composição e contagem de células somáticas (CCS) do quarto mamário afetado. Análises de contagem diferencial de leucócitos e de parâmetros de coagulação do leite também foram realizadas a partir das amostras coletadas. Além disso, os isolados de E. coli foram submetidos a análise de diferenciação genotípica para identificação de subespécies.
As vacas avaliadas neste estudo possuíam, em média, 3,3 lactações, 131 dias em lactação e produziam 45,7 ± 8,4 L de leite por dia. Dois perfis de inflamação foram identificados durante o estudo: “inflamação de curta duração”, caracterizada pela redução inferior a 15% na produção diária de leite e menos de 30 dias para retornar à produção normal; e, “inflamação de longa duração”, caracterizada por redução superior a 15% da produção diária de leite e mais de 30 dias para atingir nova produção máxima de leite. A Figura 1 demonstra os dois perfis de inflamação decorrentes da mastite clínica causada E. coli.

Figura 1 –Curva de lactação de uma vaca caracterizando o perfil de inflamação de curta duração (A) ou de inflamação de longa duração (B). . A área marcada em cinza ilustra a perda de produção devido à infecção intramamária. As setas vermelhas indicam o início da infecção intramamária clínica causada por Escherichia coli. (Fonte: Adaptado de Blum et al. 2014).

A estimativa de perda de leite durante o estudo foi de 200 L para as vacas com inflamação de curta duração, e de 1.500 L para as vacas com inflamação de longa duração. Nesta estimativa de perda de produção está incluído o leite descartado durante os períodos de tratamento e carência dos antimicrobianos utilizados. Durante o período de estudo, E. coli acometeu 24 vacas e foi responsável pela perda de aproximadamente 30.000 L de leite no total. Cinco vacas foram descartadas durante o estudo, todas com inflamações de longa duração.
Mesmo com terapia antimicrobiana, uma vaca acometida 14 dias após o parto permaneceu persistentemente infectada com E. coli por mais de 175 dias. Esta vaca apresentou novos episódios de mastite clínica aos 2, 4 e 6 meses após o primeiro diagnóstico, nos quais, a mesma cepa de E.coli foi isolada de amostras de leite.
Diferenças de composição e qualidade do leite de vacas infectadas com E. coli também foram observadas entre inflamações de curta e longa duração. A gordura e a lactose permaneceram alteradas durante todo o período de estudo em vacas com inflamação de longa duração. Nos casos de inflamação de curta duração, a gordura retornou aos níveis normais antes da lactose. Em relação à produção de derivados do leite como o queijo, a lactose não é um parâmetro essencial, porém, em níveis muito baixos está correlacionada com a infiltração de íons e soro sanguíneo no leite devido ao aumento da permeabilidade do epitélio mamário resultante da inflamação.
Para a produção de queijos em particular, dois parâmetros são importantes e devem ser usados para avaliação da qualidade do leite, os quais são definidos pelo tempo de coagulação do leite e a firmeza do coágulo. Quanto maior for o tempo de coagulação do leite e menor for a firmeza do coágulo, menor será a qualidade do leite para a produção de queijos. No estudo, ambos os parâmetros sofreram alteração breve no leite produzido por vacas com inflamação de curta duração, no entanto, permaneceram alterados durante todo o período do estudo em vacas com inflamação de longa duração. O aumento no tempo de coagulação e a redução da firmeza do coágulo em vacas que apresentaram longo período inflamatório pode ter ocorrido em razão de alterações na estrutura ou composição da caseína por resíduos presentes no leite. As alterações nos parâmetros de coagulação do leite permaneceram por longos períodos após a vaca ter eliminado completamente a infecção, o que foi indicado pela baixa CCS e ausência de isolamento bacteriano.
A reação imune da mastite clínica após quatro dias do diagnóstico também foi diferente entre as vacas caracterizadas com inflamação de curta duração em comparação com as vacas que apresentaram inflamação de longa duração. As vacas com inflamação de curta duração apresentaram contagens mais altas de neutrófilos polimorfonucleares (PMN) e mais baixas de macrófagos que as vacas que apresentaram inflamação de longa duração. A CCS e a distribuição de leucócitos de vacas que apresentaram inflamação de curta duração retornaram ao normal em 28 dias após o diagnóstico da mastite clínica, enquanto que as vacas com inflamação de longa duração permaneceram com a CCS significativamente elevada com mais de 80% de PMN até o término do estudo. A alta concentração de PMN no leite de vacas com inflamação de longa duração sugere a existência de lesões graves no tecido mamário. Além disso, isto demonstra que o processo inflamatório permanece ativo independente da cura clínica pela glândula mamária.
Os resultados deste estudo sugerem que os efeitos causados por infecções intramamárias causadas por E. coli vão muito além do impacto econômico direto em torno do episódio de mastite clínica. Pode ocorrer prejuízos de longo prazo sobre a produção e composição do leite, em decorrência do processo inflamatório da mastite causada por E. coli, bem como a perda de qualidade do produto in natura e de seus derivados. Além disso, o potencial de persistência de infecções intramamárias causadas por E. coli é uma informação relativamente nova e que deve ser considerada em práticas de manejo e prevenção de mastite nos rebanhos.

Fonte: Blum et al. (2014). Long term effects of Escherichia coli mastitis. The Veterinary Journal, v. 201, 72-77.
*Pesquisador em nível de doutorado do Programa de Pós-graduação em Nutrição e Produção Animal, FMVZUSP.