Além disso, a mastite pode trazer impactos negativos sobre a saúde pública dos consumidores, pois é a doença que mais demanda o uso de antibióticos em vacas adultas. Por outro lado, a mastite é sem dúvida um enorme problema econômico, seja pela redução do preço do leite, aumento dos custos de produção e redução da quantidade de leite produzido pelas vacas infectadas. Fora da porteira, a mastite acarreta significativas perdas econômicas nas indústrias de laticínios em razão de menor qualidade e diminuição do rendimento de fabricação de produtos lácteos. Em suma, a mastite afeta negativamente produtores, indústria e consumidores, o que implica na necessidade de controle e prevenção desta doença para aumentar a eficiência de produção de leite e derivados.

Considerando que a mastite apresenta um caráter multifatorial, não existe uma medida que isoladamente tenha eficácia para o controle e a prevenção. Desta forma, o conceito atualmente mais utilizado é o de programa de controle da doença, que nada mais é do que a necessidade de aplicação de um conjunto de medidas, o que demanda por parte do produtor a tomada de decisões de manejo que afetam o dia a dia da fazenda. Entre essas medidas, o tratamento dos casos clínicos durante a lactação e o tratamento de vaca seca são as estratégias mais utilizadas. Em estudo recente desenvolvido pelo Laboratório Qualileite da FMVZ-USP (www.qualileite.org), dentro de um universo de produtores especializados dos estados de São Paulo e Minas Gerais, praticamente 100% dos produtores realizavam o tratamento de mastite clínica na lactação, no entanto, somente 80% dos produtores faziam o tratamento da vaca seca. Além disso, algumas práticas de manejo com caráter preventivo, como a realização periódica de contagem de células somáticas individuais e o uso de cultura microbiológica para diagnóstico de patógenos causadores de mastite eram usadas por cerca de 25% dos produtores pesquisados. Em outras palavras, as decisões sobre o tratamento de mastite afetam o produtor diariamente e devem ser tomadas com base em critérios econômicos, de bem estar e de uso prudente dos antibióticos (saúde pública).

Decisão econômica x bem estar da vaca

As decisões sobre qual tratamento de mastite deve ser usado leva em conta os custos associados (descarte do leite, medicamentos, mão de obra, etc) e os benefícios potenciais (retorno da produção, redução do descarte de vacas, diminuição da transmissão entre vacas, etc). Em termos gerais, a maioria dos produtores toma decisões de tratamentos tentando otimizar os resultados econômicos, ou seja, quais tratamentos ou estratégias tem menor relação custo:benefício. No entanto, quando se avalia somente o fator econômico, alguns benefícios que são de difícil mensuração (redução do potencial de transmissão entre vacas) ou o próprio bem estar da vaca podem ser negligenciados.

A mastite clínica é uma condição que afeta negativamente o bem estar da vaca. Estudos recentes de pesquisadores canadenses indicaram que a mastite clínica está associada com ocorrência de dor e alterações no comportamento da vaca. Por exemplo, vacas com casos leves de mastite ficam menos tempo deitadas e aumentam a movimentação (mais agitação) durante a ordenha. No entanto, não existem atualmente métodos fáceis e objetivos para avaliação da dor de vacas leiteiras, o que dificulta a identificação de situações nas quais as vacas podem ter o bem estar reduzido. Atualmente, um das principais formas de avaliação do bem estar das vacas em relação a mastite é pelo número de casos de mastite clínica no rebanho.

Além da avaliação econômica e bem estar das vacas, o tratamento de mastite com antimicrobianos tem implicações sobre a saúde pública, notadamente quanto à ocorrência de resíduos de antibióticos no leite e em relação ao risco de resistência bacteriana. Desde o início da utilização de antimicrobianos para tratamento de mastite, a ocorrência de resistência de patógenos causadores de mastite tem sido identificada. Contudo, a despeito de um longo período de utilização dos antibióticos para tratamento de mastite clínica e tratamento de vaca seca, até o presente momento, não existem evidências científicas que o padrão de resistência tenha aumentado ou que a resistência bacteriana seja um problema emergente em vacas leiteiras. Ainda que não exista evidência científica sobre a relação entre uso de antibióticos em animais de produção e o aumento da resistência bacteriana em seres humanos, alguns países tem implantado legislações cada vez mais restritivas, com objetivo de reduzir o uso de antibióticos na produção animal, assim como usar de forma prudente os antibióticos em vacas leiteiras. Um dos exemplos recentes dessa situação ocorreu na Holanda, país no qual a legislação prevê o banimento do uso de antibióticos para fins profiláticos em animais de produção. Além disso, a legislação deste país prevê ainda a exigência de redução de 50% no uso de antibióticos em medicina veterinária em 2013, usando-se como base a quantidade de antibióticos usados em 2009.

Considerando esses três fatores principais (econômico, bem estar e legislação), a taxa de cura da mastite é uma variável fundamental na tomada de decisões de tratamento, pois afeta diretamente os fatores mencionados. De uma forma simplificada, a taxa de cura da mastite depende de características da vaca (idade, dias em lactação, duração do caso clínico, CCS antes do tratamento), do tipo de agente causador, e do protocolo utilizado no tratamento (medicamento, dosagem e duração).

Atualmente, recomenda-se que os protocolos de tratamento da mastite sejam definidos de acordo com as características da vaca e o tipo de agente causador, pois são dois fatores que afetam significativamente a chance de cura do tratamento. Um estudo recente desenvolveu simulações para avaliar a realação custo:benefício de 5 diferentes protocolos de tratamento que são usados para tratamento de mastite clínica: a) 3 dias de tratamento intramamário (IM); b) 5 dias de tratamento IM; c) 3 dias IM+ injetável; d) 3 dias IM + injetável + anti-inflamatório; e) 5 dias IM+ injetável). As estimativas de taxa de cura desses protocolos foram baseadas em resultados de estudos prévios, levando-se em consideração o tipo de patógeno causador e as características da vaca ( número de lactações, estágio de lactação, CCS, histórico prévio de mastite clínica na lactação). Com base na taxa de cura estimada, foi possível calcular os custos de cada protocolo e estimar a relação custo:benefício. Para estimativa dos custos dos tratamentos, foram utilizadas as seguintes médias de taxas de cura dos tratamentos:

  • 3 dias de tratamento: 53%
  • 5 dias de tratamento: 67%
  • 3 dias + injetável + anti-inflamatório: 67%
  • 3 dias + injetável: 72%
  • 5 dias + injetável: 81%

Os custos totais dos protocolos de tratamentos testados incluíram os custos diretos de leite descartado (maior custo), mão de obra e medicamentos utilizados, assim como perdas de produção e custos de descartes. Um resumo dos custos dos protocolos testados está apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 – Estimativa de custos (em euros) de 5 protocolos de tratamento de mastite clínica, de acordo com o tipo de agente causador e a produção de leite da vaca (Fonte: Steeneveld et al, 2011).

Ainda que os valores apresentados na tabela 1 estejam em euros (€) e foram obtidos em sistemas de produção da Holanda, com custos diferentes daqueles encontrados no Brasil, ainda assim é possível utilizar a estimativa de custos para efeitos de comparação entre os protocolos. Na média, os custos de tratamento intramamário com 3 dias de duração foram os mais baixos e, mesmo com menor taxa de cura (estimativa de 53%) podem ser uma boa opção para tratamento do primeiro caso de mastite na lactação. Da mesma forma, os dados da tabela indicam que existe uma considerável diferença entre os custos de tratamento de acordo com o tipo de agente causador, uma vez que a taxa de cura é diferente e os riscos de transmissão entre vacas e de descarte também variam. Outro fator importante em relação ao custo dos tratamentos de mastite clínica é a produção da vaca. Para um mesmo protocolo, o custo pode variar de €115 a €222 (mais de 90% de variação de custo). Esta variação pode justificar o emprego de protocolos mais sofisticados para vacas de mais alta produção, uma vez que nestas vacas uma maior taxa de cura pode significar retorno mais rápido à produção.

Um dos custos indiretos do tratamento da mastite clínica que é de difícil percepção e estimativa por parte do produtor é o custo de manter a vaca doente sem tratamento, o que representa uma fonte de infecção para o restante do rebanho Os estudos indicam que o custo de transmissão pode representar um adicional de até 1/3 do custo total do tratamento, mas este custo quase nunca é levando em consideração pelos produtores.

Voltando a pergunta do título deste artigo, as decisões sobre o tratamento da mastite são importantes para o controle e afetam diretamente o retorno econômico e o bem estar das vacas. Para escolher os protocolos de tratamento mais adequados, um dos fatores mais importantes é taxa de cura, cuja resposta varia de acordo com a vaca e com o tipo de patógeno causador. Atualmente, além da avaliação econômica dos protocolos de tratamento de mastite, há necessidade de preocupação com o bem estar da vaca e com o uso prudente de antibióticos. Os protocolos de tratamento com maior duração (terapia convencional de 3 dias x terapia estendida de 5 dias) resultam em maior taxa de cura, mas implicam em maior custo de tratamento e devem ser avaliadas em relação ao histórico e a produção da vaca. Considerando que o tratamento de mastite envolve a necessidade de uma rotina a ser implantada na fazenda, é fundamental que o produtor e o veterinário possam definir, com base nos dados específicos do rebanho, quais são os protocolos de tratamento mais adequados.

Fonte: SANTOS, M. V. Tratamento da mastite: equilíbrio entre o retorno econômico e bem-estar. Inforleite, 2014.