As bactérias Gram negativas são um dos principais grupos de agentes causadores de mastite, dentre as quais destacam-se: Escherichia coli, Enterobacter spp., Klebsiellaspp. e Serratia spp. Essas espécies colonizam naturalmente o solo e o trato gastrointestinal das vacas leiteiras e apresentam grande capacidade de multiplicação nesses locais. Desta forma, as infecções intramamárias causadas por essas bactérias ocorrem por oportunismo em locais em que há grande quantidade de fezes e excesso de umidade. As mastites causadas por coliformes podem ter manifestação clínica grave e em alguns casos podem sintomas de comprometimento sistêmico da vaca, como o endurecimento do quarto afetado, desidratação, inapetência e falta de apetite, febre, toxemia e até morte (cerca de 5% dos casos). Estes sintomas graves de mastite clínica ocorrem em resposta à liberação de toxinas pelos coliformes.

Um estudo recente desenvolvido pelo Qualileite FMVZ-USP determinou a frequência de agentes causadores de mastite clínica em rebanhos dos estados de SP e MG. Foram avaliadas 3.724 vacas distribuídas em 19 rebanhos e três sistemas de alojamento: free stall (4 rebanhos), compost barn (4 rebanhos) e sistema semi-intensivo com piquetes (11 rebanhos). O tamanho dos rebanhos variou entre 25 e 1.500 vacas em lactação com produção média diária por vaca de 22,2 kg (variando entre 13,5 a 36,4 kg). A contagem de células somáticas média dos rebanhos foi de 564.000 células/ml.
Durante o período de um ano de avaliação, foram analisados cerca de 1800 de casos de mastite clínica. Deste total, 953 amostras (53,4%) e 629 amostras (36,2%) não apresentaram crescimento microbiológico. As bactérias Gram negativas foram responsáveis por 20,4% dos casos de mastite clínica, destacando-se a Escherichia coli como o patógeno mais importante dentre os coliformes. Das culturas positivas, 27,47% foram diagnosticadas como pertencentes ao grupo de bactérias Gram negativas, o que demonstra o potencial dessas bactérias em causar a mastite clínica. Além disso, 37,9% das mastites ambientais foram causadas por bactérias Gram negativas.


Vacinação como ferramenta de controle de mastite causada por coliformes

Em razão da ampla distribuição dos coliformes no ambiente em que as vacas leiteiras estão alojadas, as principais medidas de controle de mastite deste grupo de agentes são focadas na redução de novas infecções (menor contaminação dos tetos) e na melhoria da resposta imune da vaca. Para redução da contaminação dos tetos pelos coliformes, recomenda-se a melhoria da higiene de ambiente, especialmente no local de parição (baia ou piquete), nas instalações de confinamento (cama) das vacas em lactação e nas demais áreas de descanso dos animais. Além disso, outras medidas mais específicas para controle e prevenção de mastite causada por coliformes são: a) desinfecção dos tetos antes da ordenha; b) fornecimento de alimento fresco após a ordenha, para manter as vacas pé na primeira hora após a ordenha, para evitar que a extremidade dos tetos entre em contato direto com o solo; c) uso de selantes de tetos na secagem; d) vacinação.

O uso da vacinação pode ser uma estratégia eficaz de controle da mastite causada por coliformes, cujo objetivo é o aumento da resistência da vaca contra estes agentes. Diversas vacinas foram, testadas contra mastites causadas por coliformes, no entanto, somente no final da década de 1980, com a identificação e isolamento de uma cepa rugosa mutante de Escherichia coli, denominada J5, foi possível o desenvolvimento de uma vacina com comprovada eficácia contra coliformes. Esta cepa mutante é capaz de sintetizar um antígeno interno (lipopolissacárideo), que estimula a resposta imune do vaca contra os grupo dos coliformes causadores de mastite. A vacina a base de E. coliJ5 tem sido usada como rotina de prevenção de mastite causada por coliformes em vários países, nos quais esta vacina está disponível comercialmente, contudo, somente recentemente uma vacina polivalente contra mastite (estafilococos + J5) foi registrada na União Europeia.

O protocolo recomendado em bula para uso da vacina J5 é de 3 doses, sendo a 1a na secagem (60 a 45 dias antes do parto), a 2a dose após 30-35 dias depois da 1a, e a 3a dose aos 50 dias pós-parto. Uma das limitações para o uso deste esquema de vacinação ocorre em rebanhos menores, nos quais somente um pequeno número de vacas são secadas semanalmente, o que dificulta o manejo de aplicações e leva a uma demora para inclusão de todas as vacas no protocolo de vacinação (necessidade de esperar a secagem de todas as vacas para completar o ciclo de imunização completo). Alternativamente, um protocolo de vacinação massal envolve a vacinação de todas as vacas em lactação e o uso de reforços de vacinação a cada 3-4 meses. Contudo, este protocolo de vacinação massal ainda não havia sido avaliado em estudos científicos.

Estudos recentes sobre vacina contra mastite causada por coliformes

Um estudo recente avaliou dois protocolos de vacinação, utilizando-se uma vacina polivalente comercial (Topvac, Hipra) em rebanhos leiteiros do Reino Unido, com foco no controle e prevenção de mastite causada por coliformes. O estudo envolveu um total de 3.130 vacas, distribuídas em 7 rebanhos leiteiros. As vacas foram selecionadas de forma aleatória para serem vacinadas de acordo com 3 protocolos: a) de acordo com a bula (3 doses: 45 dias antes do parto; 35 dias após a 1a dose; 52 dias pós-parto); b) massal (vacinação de todas as vacas com 3 doses iniciais, com intervalo de 30 dias, seguido de vacinação a cada 90 dias); c) sem vacinação. A avalição da eficácia da vacinação foi feita com base na ocorrência de mastite clínica, CCS, produção de leite e taxa de descarte de vacas, durante os primeiros 4 meses de lactação, uma vez que este é o período no qual a expectativa de efeito da vacina é maior. Foram avaliados somente os dados das vacas vacinadas com pelo menos 2 doses de vacinas antes do parto, tanto no protocolo de acordo com a bula quanto no protocolo massal.

Em relação à mastite clínica, de um total de 779 casos durante o período total do estudo, E. coli foi o agente mais frequentemente isolado, correspondendo a cerca de 20% dos casos, enquanto o grupo dos microrganismos gram-negativos respondeu por cerca de 33% de todos os casos e S. aureus representou 2,5% do total. ão houve diferença da incidência de mastite clínica causada por coliformes ou por E. coli entre os grupos vacinados, sendo que a proporção de vacas afetadas por mastite clínica causada por E. coli variou de 0,09 a 0,11. Da mesma forma, quando foi avaliada a CCS das vacas durante os 4 primeiros meses de lactação, não houve diferença entre os protocolos de vacinação avaliados. No entanto, quando foi avaliada a classificação da gravidade dos casos de mastite clínica, as vacas vacinadas com o protocolo de bula apresentaram menor risco de mastite clínica moderada e grave (escores 2 e 3) do que as demais vacas. Além disso, os resultados indicaram que na medida que aumenta o número de doses aplicadas da vacina, as vacas têm menor risco de desenvolvimento de mastite moderada e grave.

Um dos resultados importantes deste estudo foi que o uso da vacinação não reduz necessariamente a incidência de novos casos de mastite clínica, mas tem efeito positivo na redução da gravidade dos sintomas, de acordo com o aumento do número de doses aplicadas. Estes resultados são particularmente importantes no caso de mastite causada por coliformes, cujos casos têm sintomas mais graves, com risco de morte da vaca. Além disso, pode-se esperar que em razão de fatores de risco específicos de cada fazenda (CCS média, alta produção de leite, nível de higiene do ambiente) alguns rebanhos podem ter maior benefício o uso da vacinação do que outros com menor exposição destes fatores de risco.

Com relação aos resultado de produção de leite, em média o grupo de vacas vacinadas com o protocolo de bula produziu maior volume de leite (cerca de +231 L/vaca) e maior quantidade de sólidos total (cerca de 12,3 kg/vaca), durante os 4 primeiros meses de lactação do que o grupo de vacas não vacinadas (Figuras 1 e 2).

Figura 1 – Produção de leite durante os 4 primeiros meses de lactação, de acordo com o protocolo de vacinação (não vacinado, bula e massal). Fonte: adaptado de Bradley et al., 2015.


Figura 2 – Produção de gordura, proteína e sólidos totais do leite, durante os 4 primeiros meses de lactação, de acordo com o protocolo de vacinação (não vacinado, bula e massal). Fonte: adaptado de Bradley et al., 2015.

Este estudo foi um dos primeiros a demonstrar que a vacinação contra mastite causada por coliformes está associada com aumento da produção de leite durante os 4 primeiros meses de lactação. Em média, as vacas vacinadas com o protocolo de bula produziram a mais cerca de 2 L/vaca/dia e as vacas do protocolo massal produziram 1 L/vaca dia a mais do que as vacas não vacinadas. Ainda que este não seja um efeito direto da vacina e que não tenha sido determinada a razão para este aumento da produção de leite e de sólidos, é possível que a redução da gravidade dos sintomas tenha resultado em maior consumo de alimentos e menor desconforto associado com os sintomas dos casos clínicos de mastite, o que em consequência tenha levado ao aumento de produção. Os resultados deste estudo indicaram que, com base nas condições de custos de produção de leite e preços de leite praticados no Reino Unido, o uso da vacinação teve uma taxa positiva de retorno do investimento de aproximadamente 2,5:1, somente considerando os efeitos da vacina sobre o aumento da produção de leite.

Fonte: Bradley, et al., Journal of Dairy Science, 98:1706-1720 (artigo na íntegra: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022030214008741#)