Um estudo recente avaliou a contagem de células somáticas (CCS) e a cultura do leite do tanque de 120 fazendas leiteiras, localizadas nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Os resultados indicaram que 100% dos rebanhos avaliados apresentaram isolamento positivo de S. aureus no tanque, sendo que mesmo em rebanhos com baixa CCS (< 200.000 cels/ml), este agente patogênico foi uma das principais causas de mastite subclínica. Em outro estudo realizado em 7 estados do Brasil, no qual foram coletadas cerca de 30 mil amostras, a frequência de isolamento de S. aureus variou de 13 a 34% das vacas leiteiras avaliadas (média de 25,4%), enquanto que ECN-estafilococos coagulase negativa (Staphylococcus spp.) foram causa de 27,6% da mastite subclínica. Estes resultados indicam que somente estes dois grupos de agentes patogênicos representam praticamente metade de todas as causas de mastite em rebanhos brasileiros.Dentre as características mais importantes da mastite causada por S. aureus, destaca-se a alta patogenicidade deste agente e a baixa resposta aos tratamentos com antibióticos. Além disso, S. aureus é um agente contagioso, pois as vacas doentes são as principais fontes de infecção para as vacas sadias, com a transmissão ocorrendo principalmente durante a ordenha, pelo contato de vacas sadias com teteiras contaminadas após ordenha de vacas infectadas.

Entre os principais prejuízos, S. aureus causa lesões na glândula mamária, o que resulta na disseminação do microrganismo para as áreas profundas da glândula mamária. Estas lesões resultam na perda funcional de algumas áreas do úbere, com consequente redução da capacidade de produção de leite e aumento da CCS. Nas vacas com mastite crônica causada por este agente pode ocorrer a encapsulação do S. aureus e a formação de micro-abscessos, os quais dificultam a chegada dos antibióticos e funcionam como fontes de re-infecção para outras áreas da glândula mamária ou outras vacas.

Como controlar a mastite causada por S. aureus?

No rebanhos com alta prevalência de S. aureus é fundamental implantar medida de controle de médio e longo prazo para reduzir os prejuízos causados. Considerando queS. aureus é um agente contagioso da mastite, há necessidade de identificar e segregar as vacas infectadas para reduzir novos casos de mastite causada por S. aureus. As principais medidas de controle tem como foco a melhoria da rotina de ordenha (desinfecção dos tetos após a ordenha e linha de ordenha), além do uso de tratamento de vaca seca e o descarte de vacas com mastite crônica. No entanto, o emprego destas medidas (isoladamente ou em conjunto) nem sempre tem eficácia para prevenir novas infecções, pois existem outros reservatórios deste agente dentro do sistema de produção.Algumas das medidas recomendadas para controle de S. aureus, como a segregação das vacas positivas e o descarte das vacas com mastite crônica, são de difícil implantação pelo alto custo. Quando existe alta prevalência de vacas infectadas por S. aureus e o uso da segregação e/ou descarte não são viáveis, o tratamento com antibióticos pode ser uma opção, mas a apresenta como limitação a baixa taxa de cura. Alguns dos protocolos de tratamento que podem ser usados nestes rebanhos para aumentar da taxa de cura de mastite causada por S. aureus são: a terapia prolongada e a combinação de tratamento intramamário e sistêmico.
Além das medidas de controle e prevenção, a aplicação de vacinas contra mastite causada por S. aureus pode ser usada como ferramenta auxiliar para aumentar a resistência contra o S. aureus.

Quais resultados podem ser esperados com o uso de vacinas contra S. aureus?

O desenvolvimento de vacinas contra mastite causada por S. aureus tem sido um grande desafio, pois espera-se que a vacina induza a produção de anticorpos e a resposta celular para proteção da glândula mamária contra este agente patogênico. Desta forma, um dos principais desafios é a correta identificação de antígenos que sejam capazes de induzir proteção imunológica, já que S. aureus é um agente causador de mastite com elevada patogenicidade, o que significa que diferentes mecanismos são utilizados para causar a doença. Atualmente, o número de estudos científicos que avaliaram o uso de vacinas contra S. aureus é bastante limitado e a avaliação da sua eficácia tem sido feita com base na incidência da infecção ou na transmissão e duração da infecção, uma vez que este agente tem transmissão contagiosa e característica de infecções persistentes.

Recentemente, foi publicado um estudo sobre a eficácia de uma vacina comercial (Topvac, Hipra), cuja composição é baseada em bacterina de cepas de S. aureus com alta capacidade de produção de componentes da parede bacteriana. A capacidade de formação de biofilmes é considerada, atualmente, como um dos fatores de patogenicidade de S. aureus, que pode ser encontrada tanto em S. aureus quanto em estafilococos coagulase negativa. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da vacina contra S. aureus, em condições de campo.

Este estudo foi desenvolvido em colaboração por pesquisadores dos EUA, Espanha e Itália, sendo que foram utilizados dois rebanhos leiteiros comerciais na Itália, com total de aproximadamente 450 vacas em lactação (um rebanhos com 130 e outro com 320 vacas). Antes do estudo, os rebanhos selecionados apresentavam uma prevalência média de 5% de vacas infectadas com S. aureus e CCS do tanque variando entre 250 e 400 mil células/ml. O estudo foi realizado por um período de 21 meses.

Na fase inicial do estudo, todas as vacas foram submetidas ao protocolo de vacinação antes da secagem, até que cerca de 50% das vacas do rebanho tivessem recebido o protocolo de vacinação indicado em bula (1a dose: 45 dias antes do parto; 2a dose: 10 dias antes do parto; 3a dose: 52 dias pós-parto). A avaliação da eficácia foi iniciada somente após esta fase inicial, pois haveria necessidade de ter cerca de 50% das vacas vacinadas no rebanho para avaliar a eficácia de redução da transmissão da mastite entre as vacas vacinadas e não-vacinadas. Após a fase inicial, todas as vacas foram aleatoriamente sorteadas para receberem ou não o protocolo de vacinação.

Durante a fase inicial e todo o período do estudo, as vacas foram monitoradas em relação a cultura microbiológica, CCS e ocorrência de mastite clínica. As coletas de amostras para CCS (amostras compostas) e para cultura microbiológica (amostras por quarto) foram realizadas mensalmente durante todo o estudo. Além disso, foram coletadas amostras para cultura microbiológica na secagem, no pós-parto e de todos os casos clínicos.

Para avaliação dos resultados, foi considerado como uma infecção intramamária (IIM) quando um quarto mamário apresentou isolamento positivo de S. aureus. Considerou-se como uma infecção curada quando um mesmo quarto apresentou dois resultados consecutivos negativos, após um resultado positivo. Somente foi considerando como negativo um quarto mamário com dois resultados negativos consecutivos. As análises dos resultados envolveram o uso de modelos estatísticos para determinação dos fatores de risco de novas infecções e de cura de infecções ao longo dos meses de lactação, assim como a eficácia da vacinação sobre as taxas de: a) transmissão; b) cura; c)novas infecções de S. aureus.

Os resultados do estudo indicaram que foram avaliadas um total 1156 lactações (809 vacas), das quais 658 foram usadas como controle (não-vacinadas) e 343 vacas foram vacinadas. De um total de 39.500 culturas microbiológicas realizadas, o agente patogênico mais isolado foi S. aureus (com 19,43% dos isolamentos positivos), seguindo por ECN (13,1% dos isolamentos positivos).

Figura 2 – Efeito da vacinação contra S. aureus sobre a prevalência infecções intramamárias (IIM) causadas por S. aureus e SCN (estafilococos colagulase-negativa) em todos os quartos mamários durante o estudo de vacas vacinadas (linha escura) e controle (linha pontilhada). Fonte: adaptado de Schukken, Y. H., et al. 2014.

Em relação ao fatores de risco para ocorrência de mastite causada por estafilococos, não houve efeito da vacinação sobre as novas infecções causadas por ECN, mas houve aumento das novas infecções causadas por S. aureus de acordo com o aumento dos dias em lactação, do número de lactações e da existência de um histórico prévio de infecção causada por S. aureus. Além disso, os resultados indicaram que foi observada maior chance de cura de infecções causadas por S. aureus e ECN em vacas vacinadas do que nas não-vacinadas.A vacinação resultou em menor taxa de novas infecções e maior taxa de cura de infecções existentes causadas por S. aureus. Além disso, a duração das infecções foi menor em vacas vacinadas, o que resulta em menor exposição das vacas sadias ao risco de novas infecções. Considerando que a mastite causada por S. aureus ocorre principalmente na forma subclínica, o resultado do estudo indicando que a vacina reduz a transmissão da infecção é importante pois indica um efeito de redução do potencial de transmissão entre vacas infectada e sadias.

De acordo com os resultados do estudo, a eficácia da vacinação foi moderada, sendo estimada em 45% para S. aureus e 16% para ECN em ambos os rebanhos. Os pesquisadores também estimaram que a eficácia da vacina foi maior em primíparas do que em multíparas. Este estudo foi, possivelmente, o primeiro a avaliar a eficácia da vacinação contra mastite causada por S. aureus sobre a transmissão da infecção em rebanhos comerciais. A estimativa de que a vacina apresentou uma eficácia de 45% indica que o uso da vacinação pode ser uma ferramenta adicional para o controle de S. aureus, mas não pode ser usada como única medida. Pode-se esperar que possa ocorrer alguma variação da eficácia da vacinação de acordo com algumas características específicas de cada fazenda, como por exemplo o tipo de cepa de S. aureus predominante e outras medidas de manejo utilizadas (rotina de ordenha, protocolos de tratamento, segregação e descarte).

Fonte: Schukken, Y. H., et al. 2014. Efficacy of vaccination on Staphylococcus aureus and coagulase-negative staphylococci intramammary infection dynamics in 2 dairy herds. Journal of Dairy Science 97(8):5250-5264.