A pecuária leiteira nacional vem passando, nos últimos anos, por um intenso processo de especialização da produção. Entretanto, no que diz respeito à qualidade e composição do leite, item essencial a um país que pretende ser exportador de lácteos, ainda há muito a fazer em relação a países que já participam ativamente do mercado internacional.

Uma matéria-prima de melhor qualidade e composição está associada a um maior rendimento industrial, o que permite otimizar custos de produção e oferecer produtos de melhor qualidade ao consumidor, com consequente aumento da competitividade do leite e derivados nacionais, principalmente quando se almeja um crescimento nas exportações. Além disso, com a melhoria da qualidade pode-se atender às exigências crescentes de um consumidor a cada dia mais esclarecido.

Ao se considerar a importância do leite como alimento para a população humana, além de seu interesse industrial, a preocupação com a qualidade se torna ainda maior. A gordura do leite contém muitos nutrientes necessários à dieta humana, como vitaminas lipossolúveis e lipídeos bioativos, além de ser fonte de energia. No entanto, o consumo de determinados ácidos graxos do leite tem sido associado negativamente com a saúde humana, principalmente com doenças cardiovasculares, apesar das controvérsias. Estudos têm revelado diferenças no conteúdo de ácidos graxos em diferentes raças, o que sugere a possibilidade de obtenção de produtos lácteos de qualidade nutricional diferenciada pela escolha da raça.

O leite bovino tem sete vezes mais proteínas do que o leite humano. As principais proteínas do leite são as caseínas, albuminas e globulinas. Além da importância para a alimentação humana, um aspecto de interesse à indústria reside no envolvimento das proteínas na formação do coalho para produção de queijo. As proteínas diretamente responsáveis por este processo são as caseínas e globulinas. Existem quatro formas de caseínas (alfa S1, alfa S2, beta e kappa). Estudos moleculares identificaram seis alelos para o gene da kappa-caseína e vários estudos concluíram que o alelo B está associado a uma maior capacidade de coagulação do leite, resultando em um coalho mais firme e no aumento do rendimento na produção de queijo.

Outra proteína importante para a indústria, é a beta-lactoglobulina. Essa proteína é encontrada no soro do leite e, também, está envolvida no processo de coagulação do leite. Os alelos mais frequentemente encontrados em rebanhos leiteiros são o A e o B, sendo este último associado com maiores teores de caseínas no leite e, portanto, maior produção de queijo. Dessa forma, animais que possuam em sua constituição genética os alelos B para k-caseína e b-lactoglobulina irão produzir leite com maiores teor de caseínas e capacidade de coagulação.

Com respeito à lactose, sabe-se que alguns oligossacarídeos do leite bovino não apenas são fonte de nutrientes para os recém-nascidos, mas têm numerosas e importantes funções biológicas, incluindo a prevenção de ligação de patógenos ao epitélio intestinal e servindo de fonte de nutrientes às bactérias benéficas ao trato intestinal.

Um aspecto mais abrangente da qualidade do leite é o teor de sólidos (lactose, gordura, proteína, minerais, dentre outros). Algumas raças e cruzamentos apresentam leite com maior teor de sólidos, o que pode ser convenientemente aproveitado, dependendo da remuneração pela indústria. Por exemplo, a raça Holandês apresenta menores percentuais de gordura e proteína, mas maiores produções totais. Já as raças Jersey e Pardo-Suíço, apesar dos altos percentuais de gordura e proteína, apresentam produções totais inferiores à observada na raça Holandesa.

Por sua vez, a Contagem de Células Somáticas (CCS) é um parâmetro importante da qualidade do leite, pois constitui indicativo de qualidade microbiológica e está associada a uma doença de grande incidência em rebanhos leiteiros, a mastite, que afeta a produção e provoca mudanças na composição do leite e na adequação do leite para o processamento industrial.

Compreende-se, portanto, a relevância do tema composição e qualidade microbiológica do leite. Sabe-se da complexidade envolvendo a expressão das características relacionadas a este tema e que as mesmas são inerentes a cada raça leiteira e dependentes de diversos fatores de ambiente. Através de modificações ambientais, como, por exemplo, disponibilidade de alimentos de qualidade, nutrição balanceada e manejo adequado, ou seja, sanidade, bem-estar, dentre outros, pode-se obter ganhos em qualidade do leite, porém, de caráter transitório. Ao contrário dos ganhos genéticos que são duradouros.

Apesar de serem permanentes e cumulativos, os ganhos por meio do melhoramento genético são, entretanto, demorados devido ao longo intervalo de gerações dos bovinos. Sendo assim, os objetivos de seleção devem ser determinados com cautela e os programas de melhoramento devem estar atentos às tendências do mercado futuro, para que os produtores alcancem seus objetivos a tempo de usufruir das bonificações e terem maior inserção de seu produto no mercado.

Com vistas ao melhoramneto genético, estudos verificaram que as produções e/ou porcentagens de gordura, de proteína e de lactose são características herdáveis e que, portanto, podem ser melhoradas por meio de seleção, ou seja, a escolha de pais de alto valor genético pode gerar progênie de alto potencial produtivo. O quanto as características são herdáveis, ou possuem de herdabilidade, varia em torno de 0,20 a 0,35 para as produções, enquanto que para as porcentagens são relatados valores mais elevados. Portanto, é possível alterar estes componentes através da seleção de reprodutores e escolha de matrizes, valendo-se da diferença dentro e entre raças. Para outros constituintes como lactose e minerais não existe, por enquanto, incentivo econômico que justifique a consideração destas características em programas de seleção. Para a CCS, a literatura científica tem relatado coeficientes de herdabilidade variando de 0,08 a 0,19. Portanto, adicionar a CCS ao programa de seleção poderá trazer benefícios à qualidade do leite, como também ao bem estar animal.

Com os avanços da biotecnologia tornou-se possível obter informações de importância estratégica e elevado valor econômico sobre o genótipo dos animais para o melhoramento por meio de seleção. De posse dessas informações, o produtor pode orientar os acasalamentos, a escolha do sêmen e adicionar a informação dos marcadores moleculares para o melhoramento genético do rebanho. Para tanto, a Embrapa Gado de Leite publica nos catálogos de touros de diferentes raças leiteiras, informações sobre o valor genético de características como produção e composição de leite, além de informações sobre o genótipo dos animais para genes que influenciam características de importância econômica.

Deve-se ressaltar, no entanto, que a seleção para altas porcentagens de gordura e proteína deve estar associada a bons patamares ou volume de produção leiteira, pois a produção de leite tem correlação alta e negativa com o teor de sólidos do leite. Faz-se, também, necessário salientar e conscientizar os produtores de que produzir leite com maior teor de sólidos é mais oneroso e, portanto, deve-se avaliar a relação custo e benefício desse investimento, ou seja, se a indústria valorizará este esforço. O pagamento do leite por qualidade, com a inclusão da proteína e da gordura no esquema de pagamento, já é uma realidade em diversos países e vem sendo executado por algumas indústrias do setor de lácteos no Brasil e, em breve, acredita-se, será prática comum.

O melhoramento genético do rebanho pode, de fato, propiciar melhorias na qualidade do leite, no entanto, cabe ao produtor a difícil tarefa de definir corretamente seus objetivos, suas metas, adotar as tecnologias acessíveis, utilizar genótipos adequados e a arte de manejar corretamente seu rebanho. Desta forma, poderá garantir a produção de leite de qualidade e a baixo custo, atendendo aos anseios da indústria e dos consumidores e permitindo sua permanência sustentável na atividade leiteira.

Literatura consultada

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Luiz F. Brito – Est. de Zootecnia da UFV, bolsista da PIBIC/CNPq e estagiário da Embrapa Gado de Leite
Maria Gabriela C. Diniz Peixoto – Pesquisadora da Embrapa Gado de Leite – gaby@cnpgl.embrapa.br
Marco Antônio Machado – Pesquisador da Embrapa Gado de Leite – machado@cnpgl.embrapa.br
Rui da Silva Verneque – Pesquisador da Embrapa Gado de Leite – rsverneq@cnpgl.embrapa.br