A globalização de mercado tornou o consumidor brasileiro mais exigente com a qualidade dos produtos oferecidos. Com a modernização da indústria laticinista, que passou a exigir do produtor um leite de melhor qualidade, foram implementadas normas nacionais de padrão de qualidade de leite pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e pela Normativa 51 (IN 51), por intermédio do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade de Leite (BRASIL, 2002), com vistas ao estabelecimento de critérios para a produção, identidade e qualidade do leite. Isto gerou a implementação de melhorias como a coleta do leite cru refrigerado e seu transporte a granel (MARTINS, 2004). O principal objetivo desta medida é limitar o desenvolvimento da microbiota mesofílica, usada por muitos pesquisadores para diagnosticar possíveis múltiplos problemas nos rebanhos leiteiros (JAYARAO et al., 2004) – a maioria dos contaminantes do leite, seja deterioradores ou patógenos – e para avaliar as condições higiênicas em que o produto foi processado (TEIXEIRA et al., 2000).

 

Entre os microrganismos indicadores de contaminação, incluem-se os coliformes a 45ºC ou termotolerantes, grupo de bactérias Gram negativas com alta incidência de Eschericha coli (MACIEL et al., 2008).

 

Os principais agentes ambientais causadores de mastite são enterobactérias, estreptococos, actinomicetos, fungos e algas (YAMAMURA et al., 2007). A ocorrência de casos esporádicos de mastite causados por microrganismos de origem ambiental pode ser considerada como emergente e as leveduras, os fungos leveduriformes e os filamentosos são alguns dos principais agentes envolvidos. Em relação à mastite micótica, as leveduras são freqüentemente causas de infecções da glândula mamária em animais produtores de leite. A maior parte dos casos ocorre sob a forma de surtos localizados e/ou após tratamento com antimicrobianos (SPANAMBERG et al., 2009).

 

Neste estudo foi avaliada a qualidade higiênico-sanitária do leite cru obtido de propriedades leiteiras do município de Marechal Cândido Rondon, estado do Paraná, por intermédio de microrganismos indicadores de qualidade sanitária e de microrganismos com capacidade para modificar as características do produto. Objetivou-se também realizar um estudo sobre a incidência de alguns fatores que influenciam a qualidade do leite cru resfriado estocado e submetido à coleta a granel.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Foram analisadas amostras, durante os meses de verão, provenientes de 31 propriedades leiteiras, localizadas no município de Marechal Cândido Rondon, no estado do Paraná. Foram coletados 100 mL de leite cru, diretamente dos tanques de expansão ou de latões, em frascos esterilizados, transportados sob condições isotérmicas para imediato processamento no laboratório de Microbiologia e Bioquímica da Unioeste.

 

Para contagem dos microrganismos aeróbios mesófilos, alíquotas de 1 mL das diluições foram inoculadas, em duplicatas, em ágar padrão para contagem (Standard Methods Agar, Acumedia, Baltimore, Maryland) utilizando-se a técnica da semeadura em profundidade, segundo metodologia preconizada pela American Public Health Association e incubadas a 35°C durante 48 horas.

Para determinação do Número mais Provável (NMP) de coliformes a 35ºC por mL (CT/mL) de amostra, foi adotada a técnica dos tubos múltiplos, utilizando-se o meio caldo lactosado (lactose broth, Acumedia, Baltimore, Maryland) e o caldo bile verde brilhante 2% – VB (brilliant green bile broth 2%, Himedia, India), em três tubos por diluição, a 35°C por 24 a 48 horas. Tubos de caldo lactosado positivos foram repicados para tubos contendo caldo Escherichia coli (EC broth, Acumedia, Baltimore, Maryland), utilizado para determinar a presença de coliformes termotolerantes. Após incubação a 44,5°C durante 24 horas, foi verificado o número dos tubos com crescimento positivo (turbidez e gás) e determinado o NMP/mL (APHA, 2001).

O nível de contaminação por bolores e leveduras foi determinado por diluições decimais de 100 mL de leite, semeados em duplicata pela técnica da semeadura em profundidade em batata dextrose agar PDA (dextrose potato agar, Acumedia, Baltimore, Maryland) acidificado com solução de ácido tartárico a 10%, em pH 3,5. As placas foram incubadas a 25 ± 2ºC por cinco dias (ARAÚJO et al., 2001).

Foram analisados também outros fatores que podem interferir na qualidade do leite: tipo de ordenha, lavagem dos utensílios, utilização de água quente, mergulho do teto em água clorada, utilização de luvas e botas de borracha, separação dos animais no momento da ordenha por lotes (animais sadios, com mastite subclínica ou clínica, colostro), lavagem dos tetos, uso de papel-toalha, iodo e soluções desinfetantes para pré e pós-dipping. Os valores de temperatura de estocagem do leite foram medidos no termômetro do tanque. As informações foram obtidas por meio de questionários e todos os dados anotados em fichas para posterior análise.

Os coeficientes de correlação foram obtidos por meio do Sistema de Análises Estatísticas e Genéticas – SAEG (UFV, 1999), pelo teste de correlação de Spearman a 5% de probabilidade. 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Considerando o limite de 106 UFC/mL de aeróbios mesófilos em leite cru refrigerado (BRASIL, 2002), 25,8% das amostras analisadas estavam em desacordo com a IN51 (Tabela 1).

 

 

Em amostras de leite cru, Nero et al. (2005) também constataram incidência elevada (48,6%) de amostras que apresentaram contagens de aeróbios mesófilos acima do determinado pela IN51 evidenciando dificuldades dos produtores em adequação às normas estabelecidas.

Pinto et al. (2006), avaliando a população de aeróbios mesófilos em amostras de leite cru provenientes de tanques individuais e coletivos, obtiveram valores de 1,4 x 106 a 5,5 x 106 UFC/mL, também acima do padrão estabelecido. Segundo esses autores, a menor variação na contagem pode estar associada à constante homogeneização do leite no silo, enquanto a maior contaminação destas amostras pode decorrer da mistura de leite cru de diferentes origens e graus de contaminação. Além disso, deve-se considerar que podem ocorrer contaminações adicionais e crescimento microbiano durante o transporte e estocagem na indústria.

Altas contagens bacterianas também foram constatadas por Rosa & Queiroz (2007), em 20 amostras de leite cru entregues em um laticínio no estado do Rio Grande do Sul. Os autores verificaram que 80% das amostras possuíam contagens de aeróbios mesófilos acima do limite estabelecido pela IN 51. Contagens de coliformes a 35ºC acima 1,0 ×103 UFC/mL, indicativo de deficiências de higiene na produção de leite, foram verificadas em seis propriedades, ou seja, 19,35% das amostras avaliadas nesta pesquisa. Os coliformes são indicadores de contaminação do ambiente e das fezes (BRITOet al., 2002), evidenciando a importante contribuição da higiene do momento da ordenha para a contagem bacteriana total do leite.

Verificou-se em 58,06% das propriedades a presença de coliformes termotolerantes, com valor máximo de 1,10 x 104UFC/mL. Okura & Ávila (2004) analisaram leite cru de microrregiões do Triângulo Mineiro e identificaram 21,40% de Eschericha coli em aproximadamente 70 cepas suspeitas. Maciel et al. (2008) avaliaram 30 amostras de leite cru obtidas em três pontos de venda no município de Itapetinga – BA e verificaram que todas as amostras estavam contaminadas com coliformes a 35°C e coliformes termotolerantes, de 1,5 x 103 a 2,4 x 105 e de 1,5 x 103 a 9,3 x 104NMP/mL, respectivamente.

Catão & Ceballos (2001) analisaram 45 amostras de leite cru no estado da Paraíba e constataram que todas as amostras apresentaram elevada incidência de coliformes a 35ºC, coliformes temotolerantes e E. coli, o que comprova a elevada contaminação da matéria-prima. Tebaldi et al. (2008) verificaram que 31,25% das amostras avaliadas apresentaram contagem de coliformes termotolerantes acima de 103 NMP/mL.

Apesar da inexistência de padrão microbiológico para a enumeração de bolores e leveduras, neste estudo obtiveram-se valores entre 5,5 x 101 e 1,2 x 105 UFC/mL nas amostras de leite, constatando-se que 64,51% das amostras apresentaram contagem de bolores e leveduras acima de 100 UFC/mL, o que indica higiene insatisfatória durante o processo de ordenha e deficiências do equipamento de ordenha. Mutukumira et al. (1996) constataram contagens de leveduras e fungos filamentosos inferiores a 100 UFC/mL em sete das 10 amostras analisadas. Por sua vez, a média de contagem de leveduras observada por Desmasures et al. (1997), ao avaliarem 20 propriedades leiteiras, foi de 6,9 x 101 UFC/mL de leite.

Sabois et al. (1991) avaliaram 17 propriedades e verificaram contagens superiores a 1.000 UFC/mL em todas as amostras, o que indica higiene insatisfatória durante o processo de ordenha e deficiências do equipamento de ordenha. Resultados semelhantes foram obtidos por Ruz-Peres et al. (2004), ao detectarem a presença de fungos e leveduras em todas as 50 amostras coletadas de tanques de expansão. Segundo esses autores, deve- se atentar para a presença de fungos e leveduras no leite, que implica riscos potenciais à saúde humana.

Durante as coletas foram obtidas informações sobre a higienização e os métodos aplicados durante a ordenha. Verificou-se que apenas uma propriedade utilizava papel-toalha para secagem dos tetos, 64,5% utilizam ordenha mecânica, 70,96% utilizavam água quente para lavagem dos utensílios, 38,71% mergulhavam as teteiras em água clorada, 83,87% dos funcionários utilizavam boné e 80,64% utilizavam botas de borracha, apenas 6,45% usavam iodo nos tetos como método de desinfecção, 16,12% utilizavam desinfetantes pré-dipping e 12,90% pós-dipping, por considerarem de alto custo a aquisição destes desinfetantes. A temperatura dos tanques variou entre 2 e 5ºC. Com base no questionário aplicado, constatou-se que em todas as propriedades havia falhas nos procedimentos de higiene e limpeza, o que pode aumentar os riscos de contaminação do leite por microrganismos. Para que a qualidade do leite seja melhorada, é importante investir na conscientização e no treinamento de pessoal, visando melhoria da higiene de produção e adequada limpeza de utensílios e equipamentos.

A correlação entre número de vacas e produtividade foi positiva (r = 0,88) e significativa (p>0,05). Entretanto, os resultados demonstraram baixa correlação (r = 0,18) entre as contagens de aeróbios mesófilos e de coliformes a 35ºC, apesar do grupo das bactérias aeróbias mesófilas ser constituído por espécies deEnterobacteriaceae, que incluem os coliformes; além de Bacillus, Clostridium, Corynebacterium e Streptococcus (SILVA et al. 1997) (Tabela 2). O coeficiente de correlação das contagens de coliformes termotolerantes e de coliformes a 35ºC foi de 0,63, resultado que corrobora com dados da literatura, pois os coliformes termotolerantes pertencem ao grupo dos coliformes a 35ºC.

 

 

Arcuri et al. (2006) verificaram adesão de 83% ao requisito estabelecido pela IN 51 para aeróbios mesófilos e contagem média de coliformes acima de 1,0×103UFC/mL em sete rebanhos. Houve correlação positiva (r=0,61; P<0,01) entre as contagens de mesófilos e de coliformes a 35ºC, indicando a importante contribuição da higiene do momento da ordenha para a contagem bacteriana total do leite. Correlações negativas foram obtidas entre número de vacas e contagens de aeróbios totais (r = – 0,17), coliformes termotolerantes (r = -0,15) e coliformes a 35ºC (r = -0,31). Foram encontradas também correlações negativas entre as contagens de aeróbios totais (r = -0,15), coliformes termotolerantes (r = -0,12) e coliformes a 35ºC (r = -0,39).

Verificou-se que as propriedades com maior produtividade e maior número de animais utilizavam ordenha mecânica, o que confere ao leite melhor qualidade, pois ocorre diminuição do contato direto com o produto, o qual é canalizado para o tanque de refrigeração, onde é armazenado sob temperatura ideal até o momento da coleta, evitando, desta forma, a proliferação bacteriana. Elevadas concentrações de microrganismos indicadores de qualidade foram encontradas no leite cru refrigerado indicando necessidade de investimentos em técnicas de boas práticas para prevenção de contaminação.

Autor: Citadin, A.S.; Pozza, M.S.S.; Pozza, P.C. et al.

Referências bibliográficas:

Publicado na Rev. Bras. Saúde Prod. An., v.10, n.1, p.52-59, jan/mar, 2009